‘ELECTRA HEART’ E ‘THE FAMILY JEWELS’: A POTÊNCIA DE MARINA NO MAINSTREAM

‘Electra Heart’ e ‘The Family Jewels': A potência de Marina no mainstream | Arte por Gabriel Santos

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A cantora galesa Marina Diamandis, que está confirmadíssima no Lollapalooza 2022, já está no meio musical desde 2010 e em todos estes anos a artista pôde deixar um legado imenso que, mesmo com as músicas antigas, podemos encaixar as letras com as realidades da sociedade atual. A princípio, começando com um som mais indie, a carreira foi para o mainstream se encontrando com o pop como uma aventura, que por sinal deu super certo.

A intérprete sempre teve uma identidade consistente e definida, trazendo assuntos sérios e relevantes mesclados com ritmos divertidos e estéticas atraentes. Então, vamos desbravar a arte de Marina?

The Family Jewls (2010)

The Family Jewls (2010) – Marina and the Diamonds | Foto: Divulgação

Segundo Marina, o primeiro álbum da carreira trouxe temas como “a sedução do comercialismo, os valores sociais modernos e a relação familiar”. É importante lembrarmos do quanto a cantora relaciona psicologia, questões cotidianas e estigmas internos que todos nós vivemos – principalmente as mulheres.

O álbum começa com “Are You Satisfied?”, que coloca em jogo questionamentos sobre conquistar tudo o que queremos e, ainda assim, sempre estarmos em busca de algo a mais. Marina ainda explora o transtorno de ansiedade, o uso de medicamentos e o estresse que a vida pode nos dar. Dessa forma, podemos relacionar este tema com a busca incansável por um estilo de vida ou aparência que a mídia sempre nos reforça nos grandes meios. 

A nossa tendência, enquanto consumidores (alguns agressivos e outros leves) de conteúdos massificados que nos instigam a tomar uma decisão, é colocarmos nossa mente apenas nas coisas que chegam até nós. Dentro deste processo, nossas verdadeiras vontades e ações são deixadas de lado para agradar o nosso lado ‘manipulado’ por tais conteúdos.

No refrão da faixa, Marina se preocupa com o rumo que sua verdadeira personalidade pode levar dentro da indústria (cruel) da música se quiser ser uma popstar. “Do I need to lie to make my way in life?” (Tradução: Preciso mentir para ter um caminho na vida?)

Em “I Am Not a Robot”, a vulnerabilidade e relação com os sentimentos mais profundos são cantados de forma sensível e poética.

Marina aborda a difícil aceitação de nosso verdadeiro eu. A cantora diz que mesmo tentando agir diferente, andando com pessoas que não condizem com nossos pensamentos e se deixando levar por palavras duras (referência ao bullying), nós não somos robôs. Temos sentimentos, merecemos ser amados e, mesmo que por fora sejamos outras pessoas, por dentro ainda somos crianças.

You’ve been acting awful tough lately, smoking a lot of cigarettes lately. But inside, you’re just a little baby, it’s okay to say you’ve got a weak spot. You don’t always have to be on top” (Tradução: Você tem agido terrivelmente ultimamente, tem fumado muito cigarro. Mas por dentro, você é só um bebezinho, tudo bem dizer que você tem um ponto fraco, não precisa estar sempre por cima).

“Oh No!” é uma música divertida, animada e com um clipe cheio de pop art. A faixa se torna quase que uma sátira ao tipo de empoderamento feminino artístico que a deixa presa a uma ‘força’ indestrutível e que a blinda de qualquer relacionamento social ou amoroso para que apenas sua carreira importe. Marina afirma que quer fazer impacto no mundo com sua música e assume que tem noção dos riscos que corre. Aqui ela se dá conta que conquistou o que tanto queria e reforça o quanto a mídia pode ser perigosa em tal momento sensível e vulnerável.

Don’t do love, don’t do friends. I’m only after success! Don’t need a relationship, I’ll never soften my grip. […]  I’m now becoming my own self-fulfilled prophecy, oh! Oh no! Oh no!

(Tradução: Não faço amor, não faço amigos. Eu só busco o sucesso! Não preciso de um relacionamento, eu nunca vou pegar mais leve. […] Estou me tornando minha própria profecia auto-realizada, oh! Oh não, oh não..)

Electra Heart (2012)

Em “Electra Heart”, Marina assume uma persona que conversa com questões psiquiátricas: O nome do álbum e da personagem tem a ver com o ‘complexo de electra’, estado no qual a pessoa entra em constante competição com a mãe para ter aprovação de seu próprio pai. Dessa forma, carregando o complexo, a jovem pode crescer com constante desejo de dominação de homens ou se tornar completamente submissa; este é o caso da persona em questão. Marina mostra uma personagem que passeia entre suas descobertas pessoais, explora a sexualidade feminina e expõe suas desilusões amorosas.

“Bubblegum Bitch” é uma música totalmente descritiva que abre o álbum explicando e situando o ouvinte da personalidade, aparência e intenções da personagem. Ela se apresenta como uma ‘pin-up’ que namora uma pessoa até o momento em que o relacionamento ‘perde o sabor’; assim, ela o joga fora e explode seu coração feito uma bolha de chiclete. Electra Heart é inocente à primeira vista, mas pode te intoxicar com toda sua veia manipuladora. Na linha mais icônica da faixa, Electra diz que um garoto fez seu coração de boneca se iluminar. Isso já nos mostra que seus sentimentos são frios e abatidos como os de uma boneca, e não reais e profundos como os dos humanos. 

Marina continua nos mostrando o quanto a confiança própria intocável nos blinda de certas coisas nas relações, sejam elas amorosas ou não. “Oh, dear diary, I met a boy. He made my doll heart light up with joy! Oh, dear diary, we fell apart, welcome to the life of Electra Heart!” (Tradução: Oh, querido diário, eu conheci um garoto. Ele fez o meu coração de boneca se acender de alegria! Oh, querido diário, nós nos separamos, bem-vindo à vida da Electra Heart!).

Com um ritmo bem pop, em “Primadonna” o temperamento forte e egoísta fica em evidência. Se em “The Family Jewels” Marina explorava a sensibilidade e vulnerabilidade, aqui ela nos mostra totalmente o contrário. Com um claro narcisismo sem preocupação com as consequências de seus atos impulsivos, podemos reparar um grande link com celebridades que vivem literalmente como Primadonnas. Ela sabe que tudo que quer, consegue. Electra tem o profundo desejo de se manter na mídia, não se importando em fingir ser quem não é – totalmente o oposto do que Marina canta em “I Am Not A Robot”. 

Cada dia uma identidade diferente, uma polêmica diferente. Como ela cita na música, mesmo quando as luzes se apagam ela continua se esforçando para que os olhos permaneçam nela. A faixa pode ser muito atual com a grande ascensão dos influencers digitais. Vemos que muitas das coisas mostradas por eles não são reais, vemos que algumas polêmicas são só para seus nomes não saírem dos grandes veículos de fofoca; tem até gente que paga para isso! A ganância, ambição, narcisismo, desejo de ser tão adorado e a eterna busca pela fama sem medo algum dos riscos é uma realidade mais real do que imaginamos. 

Beauty queen on a silver screen, living life like I’m in a dream. I know I’ve got a big ego, I really don’t know why it’s such a big deal though” – (Tradução: Rainha da beleza na tela de cinema, vivendo a vida como se estivesse num sonho. Eu sei que tenho um grande ego, eu realmente não sei por que isso é tão importante, no entanto).

Por fim, Marina aborda sérios assuntos em “Teen Idle”, como o cansaço de ser o que não é. Electra desabafa e diz todas as coisas que desejava fazer e as que se arrepende de ter feito. Um paralelo muito forte é o ponto que algumas celebridades chegam, como a overdose, alcoolismo e suicídio. Chorão, Amy Winehouse e Demi Lovato são exemplos que representam perfeitamente o que a música quer dizer.

Yeah, I wish I’d been a teen, teen idle, wish I’d been a prom queen, fighting for the title […] The wasted years, the wasted youth. The pretty lies, the ugly truth, and the day has come where I have died, only to find I’ve come alive…” – (Tradução: Sim, eu gostaria de ter sido uma adolescente, adolescente desocupada, gostaria de ter sido uma rainha do baile lutando pelo título. […] Os anos perdidos, a juventude desperdiçada, as lindas mentiras, a horrível verdade. E chegou o dia em que eu morri só para descobrir que eu ganhei vida).

As lições que podemos levar com o trabalho de Marina

Marina | Foto: Arquivo Harper’s Bazaar

Marina nos faz olhar para o meio artístico com olhos mais sensíveis e extensos. Ouvir as obras da artista é um mergulho em um universo que só conhecemos por fora. Pelas músicas serem sempre em primeira pessoa, parece que nós somos as personagens retratadas nas letras, o que melhora a identificação com sua arte. Os grandes extremos que visitamos nestes dois álbuns retratam diferentes estilos de vida que acabam se conectando em algum momento. Marina questiona de frente: Qual é o preço da fama?

Os problemas, reflexos e comportamentos sociais nas visões psicológicas são pouco explorados pela mídia musical e, muitas vezes, negligenciados. Quem não vive na cena, não faz ideia da pressão, dificuldades e abusos que todos os artistas que consumimos sofrem. Por isso, a potência que Marina possui por nos apresentar essas obras mesmo vivendo do mainstream é imensa. 

Tantas coisas na vida refletem na nossa personalidade, em transtornos, profissão, desejos, sonhos (ou a falta deles) e várias outras coisas que acontecem ao longo de nosso tempo na Terra, e Marina conseguiu traduzir isso de uma forma bonita, compreensível e intensa.

Por fim, Marina é uma das atrações confirmadas para o Lollapalooza Brasil 2022! Ela se apresenta dia 25/03.

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