Nina Simone: A história por trás de Mississippi Goddam

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“O nome desta música é maldito Mississippi,

E eu quero dizer cada palavra”

Mississippi Goddam – Nina Simone


Mississippi Goddam foi um divisor na carreira da grande Nina Simone. Pessoalmente, ela se encontrou em sua missão. Comercialmente, ela perdeu muito de sua carreira. Essa canção foi um grito de liberdade para muitos negros no Sul segregado dos EUA em 1963, era o que todo mundo queria dizer e ela disse.


“Alabama me perturbou tanto

Tennesse me fez perder o sossego

Todos sabem do Mississippi, maldito”

Mississippi Goddam – Nina Simone



Atentado à Igreja Batista da 16th Street

Na manhã de 15 de Setembro de 1963, numa igreja de Birmingham, a cidade grande mais segregada dos EUA, no estado do Alabama; Addie Mae Collins, Carole Robertson e Cynthia Wesley, de 14 anos, e Carol Denise McNair, de 11, morreram instantaneamente após uma explosão em um ataque terrorista da supremacia branca, que ficou conhecido como o atentado à Igreja Batista da 16th Street.

Carole Robertson (14), Carol Denise McNair (11), Addie Mae Collins (14) e Cynthia Wesley (14) / Crédito: Wikimedia Commons


Após o ato terrorista, o movimento dos direitos civis acresceu muito, com maior visibilidade, ativistas tiveram grande apoio da população para revogação das leis de segregação do estado. No ano seguinte, 1964, foi aprovada a Lei dos Direitos Civis, que proibia a segregação racial na educação e no mercado de trabalho.

Marcha em memória das vítimas do bombardeio / Crédito: Wikimedia Commons


O atentado foi o gatilho de Nina para a composição de Mississippi Goddam, mas não era o único. Foi uma sucessão. O tiroteio do ativista dos direitos civis Medgar Evers no Mississippi, assassinado por um supremacista branco, também impulsionou todos os sentimentos de Nina, uma raiva que queria sair.  

Ela estava externando toda sua angústia sobre todos os atos de violência e opressão contra as comunidades negras no Sul segregado para a música. Mississippi Goddam era a arma de Simone.

Quando as crianças morreram naquela igreja, foi a gota d’água. Primeiro veio a depressão, depois veio a ira. Após o bombardeio contra essas crianças, eu me tranquei e compus essa música que é muito comovente e violenta, é sobre o que eu sinto” disse Nina em uma entrevista na época.

Nina Simone
Nina Simone | Reprodução


A composição se tornou um salmo ativista da comunidade negra, um grito por todos. “Foi minha primeira música de direitos civis”, disse Nina, “e saiu de mim mais rápido do que eu poderia escrever”.

A justiça tornou-se cúmplice pela lentidão para as vítimas e para a comunidade afetada pelo bombardeio. Um dos criminosos de Birmingham não foi condenado até 14 anos após o ataque e outros dois não foram presos até 38 anos depois. O quarto morreu antes de ser acusado.

“Cães de caça me perseguem

Estudantes presos

Um gato preto cruza meu caminho

Acho que todo dia será o meu último

Mas, meu país é cheio de mentiras

Vamos todos morrer feito moscas

Não confio mais em ninguém

Ficam me dizendo para eu me acalmar”

Mississippi Goddam – Nina Simone


Nina fala sobre seu presente e facilmente podemos enxergar isso hoje, no futuro. São os mesmos medos, receios, sentimentos. A mesma raiva, desconfiança, sentida até hoje. Esse mundo que insiste em ignorar a dor do racismo e da segregação.


“Este é o problema (Lento demais)

Lavando as janelas (Lento demais)

Colhendo algodão (Lento demais)

Nós não prestamos (Lento demais)

Somos tão preguiçosos (Lento demais)

Nossa ideia é louca (Lento demais)

Aonde vou? O que estou fazendo? Eu não sei”

Mississippi Goddam – Nina Simone


Lisa Simone, filha de Nina, contou no documentário (What happened, miss Simone?) sobre a vida mãe que a música foi algo revolucionário “Não permitiam palavrões em rádios ou televisões, os DJs se recusaram a tocar e as rádios devolveram os vinis quebrados ao meio. Minha mãe disse que após cantar essa música, ela ficou tão brava que estourou a voz, e a partir de Mississippi Goddam ela nunca mais voltou à oitava anterior (ela não conseguia atingir a nota musical)”.

Nina Simone
Nina Simone | Divulgação


O dever do artista, para mim, é refletir os tempos. Isso é meu dever”, disse Simone em uma entrevista ao Black Journal. E neste momento crucial de nossas vidas, quando tudo está tão desesperador. Quando cada dia é uma questão de sobrevivência. Eu não acho que você pode ajudar, mas pode se envolver. Os jovens negros e brancos, sabem disso e por isso que estão tão envolvidos na política. Vamos nos moldar e moldar este país, não serei mais moldada, não seremos” – Nina Simone. 

Ao vivo em Antibes – 24 de Julho de 1965.
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